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domingo, 2 de outubro de 2022

A poesia bordada© Copyright"

 


Ah, que saudade da minha terra! Não essa
 terra onde piso meus passos, mas a terra
 onde caminho meus sonhos, onde voo meu
 imaginário de pássaros. Sinto falta dos
versos leves, como palmeiras à margem do
frescor dos riachos. Saudade é minha sina,
pois sou feito de barro, modelado em
tempos de laços.
 
Tenho em mim brisas, filhas de vento forte,
 sopros que moldam rostos. A saudade é
uma nau navegante, à procura de um acaso
que a aporte. Seja num mar de ondas
 eriçadas ou amenas, ou gotas de chuva a
 molhar enseadas. Passeio em devaneios,
pincéis de neurônios a pensar e pincelar as
 telas de minhas estradas espirituais e
 gasosas.
 
Teimosas são as passadas pelos canteiros
 de espelhos e lembranças refletidas. Assim
 são as causas das flores desfolhadas:
pétalas errantes, passeantes divagantes,
sisal em linhas de causas atadas. Ah, que
 saudade dos ventos, por onde passeavam
leves as musas do parnaso, em cavalos
 alados, amigos dos ventos que, em
 delicadezas, recebiam meu peso em versos
 emplumados.
 
Ah, onde no mar navegava meu barquinho,
 que era o rei dos veleiros. Sobre ondas altas,
turbulências imaginárias, escalar abismal de
desfiladeiros aquosos. Terra à vista! Gritava
 eu, em ecos, rebatidos pelos ventos, sob o
 luar majestoso que se fazia de lâmpada para
 os inquietantes sonhares: desvarios, quase
verdadeiros…
 
A criança diluiu-se em nevoeiros. Ficou a
 lembrança impregnante de pensamentos
 burburinhos ensimesmados. O sonho
comum, da inocência navegante, num barco
 de papel a vela, levado por ventosos e
casuais redemoinhos. Numa tempestade de
gritos infantis, aventureiros, a desvencilhar
de rodopiantes torvelinhos.
 
Terra à vista! Gritava o infortúnio da
 saudade. Pois, era quente, o grito, que
 trovejava, tal qual raio na tempestade, com
 olhares molhados, mesclados às gotas
espargidas. Com a natureza, fusionava-se, à
liberdade. Com espada de cavaco de pau,
 forjado em fornalhas imaginárias. Com a
 cabeça coberta de velhos jornais, folhas
encharcadas de velharias noticiárias,
 aventurava-se de vez a criança, despedindo-
se, viajante às causas mais incendiárias.
 
Era gentil e senil, a saudade, que na praia
mansa, de gestos inquietos se vestiam. Do
 verso borbulhante de calmaria de mar, do
 barro de areia branca que os pés se cingiam.
 Aportado das nuvens e águas sonhadoras,
 dispersava-se de vez. Igual a voo desafiante
de passarinho, em bruma volátil, a exalar-se
 em fumaça, em asas de um pensativo talvez.
 
Da onda solitária que lhe era atrelada, sumia-
se, em adeus, acima das águas, em
 esvoaçante nauta. Em intrépida, instigante,
 sonhada, e alada poesia bordada.


©Betonicou
 

Arte-Eliza Wheeler-Children's Illustrations