Eu escrevo, apenas escrevo, mas
nem sempre foi assim. Houve um tempo em que eu escrevia para a natureza, para
as coisas simples. Periodicamente ainda escrevo. Atento para os bichos e as
plantas, para o chão e o céu. Sempre escrevi como quem brinca, como quem
imagina e sonha, como quem se encanta e também, como quem se borda e tece.
Brotavam as palavras que nasciam de mim, sem que eu me preocupasse com as
regras ou os sentidos. Subjetivamente eu ouvia e via a beleza do ínfimo
abraçando a grandeza do infinito. Eu escrevia com o olhar de criança, com a
alma de pássaro e a mão desenhista de ar. Mas algo mudou em mim. Talvez tenha
sido o tempo, que me fez crescer e envelhecer. Talvez tenha sido o mundo, que
me fez ver e refletir. Talvez tenha sido o humano, que me fez sentir e
renascer. O fato é que eu comecei a escrever a natureza do humano (reflexos de
mim), para as coisas complexas e importantes do homem, para o corpo e a alma.
Como quem busca, como quem questiona, como quem se espanta. Como quem compara a
rocha e o céu, com as palavras que aprendi dos outros, tentando seguir as
normas e os significados. Comecei a me expressar como os poetas que me
mostraram a diversidade das emoções, a poesia de tudo, a dor do útil e a leveza
da pluma que navega no vento. Aprendi a bordar palavras com o olhar de adulto,
com a alma agarrada ao chão, com a mão estendida para o sentido do fogo e o
fluxo do rio. Eu não sei se evoluí ou se regredi. Não sei se me encontrei ou se
me perdi. Não sei se me aproximei ou me afastei do humano. Eu só sei que eu
escrevo, apenas escrevo. Às vezes, eu sinto que tenho alma de pássaro,
outras vezes, uma mão coerente com a correnteza das águas. E que, às vezes, eu
sinto saudade da natureza, das coisas simples que piam, nadam ou apenas dormem
uma inércia involuntária. Eu invejo o grito da imensidão estacionada das
pedras. As pedras se deitam, em prece aos bichos e às plantas, ao chão e ao
vazio do céu. Não se iludam! “As rochas veem e cultuam, em silêncio.”
Betonicou©
Arte: simona
dimitri