“Não me
ouvirão, pois cá estou, dentro do meu silêncio, mas quero que saibam! Fui
até os vales colher flores e os espinhos me abraçaram. O vento murmurou em meus
ouvidos a música, que ali mesmo embalou meu sono e meus olhos se fecharam, para
que viessem a ver dentro de mim mesmo, o que havia, além dos olhares físicos.
As flores abraçaram minha nudez enquanto as águas as regavam, para fazerem
brotarem sob minha pele as suas raízes. O sol brilhava majestoso em minhas
retinas conforme minhas luas negras fitavam no espelho das águas, a nudez que
as flores cobriam. Era um jardim que crescia e as pétalas coloridas sobre meu
corpo seriam, as mesmas que enfeitariam a lápide que um dia o guardaria, como
lembrança póstuma desse meu singular mundo. As trepadeiras aproveitavam os
caminhos vagos e se faziam crescer tornando o meu muro de pedra, um tapete de
folhas de esperanças e os pássaros faziam seus ninhos dos espinhos deixando
apenas as flores, que também protegiam a mim do meu próprio frio. Não quero que
me ouçam, mas apenas fui ao vale colher minhas próprias flores do silêncio onde
minha alma abraçou aquele mundo enquanto as águas lavavam o grito que
teimava em ecoar em minhas montanhas. E o mundo não ouviu o meu pisar sobre os
gravetos secos e, à medida que meus espinhos serviam de casa para o descansar
das asas brancas de pequenos anjos, eu sonhava a minha história, no
silêncio de minha alma.”
(Trecho de introdução do livro " Moheki", de minha autoria.)
(Acima, capa do livro)
“Moheki,” é um livro onde a poesia passeia montada em ventos de várias direções. Onde o sagrado e o profano se reúnem num mesmo quintal, feito harmonia e caos. Um navegar natural nos recursos imaginários, fecundados pelo sagrado ato do: "ser". (Betonicou)